domingo, outubro 01, 2006

Não há finas felizes (continuação)

-"Papá,eles dizem que não há finais flizes..."
As palavras tocaram o tímpano de Alberto e som vibrou até ao cerebro. A mensagem não estava ser entendida...
-"Mas eles quem?"
-"Eles, os homens, as pessoas... não acreditam que há finais felizes..."
Quem lhe teria dito isto? Por que razão estaria o filho a ligar àquela hora? Não deveria estar na escola?
-"ó filho, diz ao pai, o que te leva a dizer isso?"
E a criança respirou fundo, o pai ouviu o ar a ser expirado e quase que sentiu o sopro, do filho, no seu ouvido...
-"Diz lá, o que se passa?"
A voz do pai parecia áspera, se pudesse ser tocada, mas era do nervosismo causado pela estranheza do telefonema...
O filho pediu ao pai que não se zangasse, e respondeu:
-"Pai, hoje não quis ir à escola. Hoje fiquei a pensar."
Mas quem era esta criança? Quando é que tinha crescido a este ponto?
E continuou a criança:
-"Eu era pequenino e toda a gente me contava histórias bonitas, daquelas em que toda a gente fica feliz no final... Contavas-me tu estas histórias, contavam-me as professoras, contava-me a mãe...
E eu sempre pensei que comigo seria igual. Eu ia crescer e ia ser sempre feliz...Ia fazer a minha história.
-"Mas estás a fazer a tua história" - retorquiu o pai
-"Eu sei que sim Pai, mas na minha história falta-me a rainha. Nesta história não há finais felizes. Nesta história a minha mãe já não me pode dizer que tudo vai correr bem.
Eles, os meus amigos, os que não acreditam, nem nunca acreditaram nas históras que me contavas, sempre me avisaram, que só as histórias são felizes."
Alberto apercebeu-se que a risada do filhote no seu telemóvel estava desactualizada, que a crinça crescia, que o filho era inteligente, que hoje tinha acordado a pensar na pessoa que era, no homenzinho que se estava formar, num descrente (agora) de histórias de encantar que alimentam o imaginário infantil...
-"Filho, na vida há vários finais, porque há várias etapas, há vários caminhos, há até desvios... mas a vida é real. A morte é uma ilusão."
-"Ilusão?"
-"Porque não a vês, porque não a sentes, só quando ela te toca, a consegues ver... e depois nada mais sabes.. A tua mãe teve o final da vida dela, mas teve tantos finais felizes, tu foste um dos começos e um dos finais da vida dela, tu continuaste a viver quando ela morreu, e isso pode ser um fnal.
Há finais felizes! Há tempos felizes! E lembra-te: quando há um final, há também um novo começo."
-"Como?"
-"A tua mãe morreu, foi um final de uma etapa e o começo de outra, uma nova etapa em que a tua realidade continuou a existir mas sem ela..."
-"Pai, tem um bom dia! Eles dizem que não há finais felizes, porque nunca ninguém lhes mostrou que também os pode haver. Obrigado Pai.."
-"Bom dia filho..."

E Alberto olhou o céu, continuou o seu caminho e desejou que fosse já fim do dia, para chegar a casa e apertar o filho contra o peito.

7 Comments:

Blogger Ghost said...

Incrivel como tocas cá dentro...

domingo out. 01, 02:57:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Impressionante.Foi realmente um final feliz nesta história ,porque ela está cheia de realismo.A vida é isso mesmo.beijão

domingo out. 01, 05:19:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Gosto de "te ler".
Mas a tua história, embala-nos para um sentimento de amargura e tristeza!
Mas...é o teu estilo!
Apesar de tudo, está muito bem escrita!

domingo out. 01, 07:24:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Excelente a tua historia :)

bj**

domingo out. 01, 10:12:00 da tarde 2006  
Blogger C. said...

bem... este texto mexeu cmg a tantos níveis que nem sei por onde começar... antes d mais a questao ds finais felizes. os meus parabens pla escolha d tema e plo modo c o tratast. a hist em si... sublime! a inteligencia e acuidade de emoçoes d criança e a emotividade do pai... simpesmente fantastico. um texto verdadeiramente tocante e que da vontade de reler vezes sem conta!

segunda out. 02, 02:41:00 da manhã 2006  
Anonymous Anónimo said...

Não há finais felizes?
Claro que há finais felizes, um deles é resultado final da junção da palavras com que tu nos contemplas.
Depois de ler o teu texto, fiquei para aqui a divagar sobre a vida e eram tantas as duvidas...


Será viver envelhecer e nada mais?
Será a vida um hábito que se tem de perder, depois de todos os outros?
Será a vida a arte de tirar conclusões suficientes a partir de premissas insuficientes?
Aqui a vida jorra de repente, com o ímpeto do inicio, porque na consciência o tempo não passa, mas a realidade, é que ela corre sem parar, continua o seu caminho sem olhar para trás, talvez por saber que é uma passagem, por querer saber o que existe para além dela, para saber o que ela é.
Será verdade, fantasia, ilusão?
Será passagem para algum lugar?
Ou o principio de tudo?
Quem sabe talvez a certeza de encontrar tudo de novo num outro lugar?
A vida pode até ser uma incerteza, na hora de saber essa certeza, de respirar, de estar aqui e ali sem poder recusar o inevitável, e terá sempre finais felizes quando aprendermos a ver com o coração.


Continua a escrever assim
Kiss
R.R.

segunda out. 02, 02:59:00 da tarde 2006  
Blogger o alquimista said...

Para reter o teu texto quem és tu que sabes dizer de forma tão sublime humanidades???


Doce beijo

quinta out. 05, 03:58:00 da tarde 2006  

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