sexta-feira, maio 27, 2005

Tu Mulher...

Quiseste controlar a tua vida, por um momento, decidi-la de forma radical...e conseguiste.

Dedicaste o teu tempo, o teu trabalho, a tua vontade, a tua vida aos outros. Julgaste-te imortal. Para ti a mort vinha longe, a vida tardava em se desvanecer e esqueceste-te de ti. Esqueceste a mulher que eras antes de seres mãe, esposa ou amante, companheira ou amiga, chefe ou empregada de alguém.
Cresceste a pensar que tinhas de fazer tudo; fizeste-te mulher a fazer de tudo, mas não tudo, porque não atendeste a ti, não cedeste ao teu prazer, aos momentos de contacto com o teu "eu".
Envelheceste a ver os outros crescerem, a tornarem-se homens e mulheres independentes e autonomos, algo que tu nunca foste...
Mas ias a tempo de acordar, de dares tempo a ti mesma, mas olhaste sob o teu ombro e viste que as pegadas que deixaste no caminho não eram profundas o suficiente, no fundo querias mais do que tiveste, do que fizeste, querias ter sido a heroína da tua própria vida, mas alimentaste a vida dos outros, "limitaste-te" a isso.

Só me lembro do teu corpo a baloiçar, pelo tremor do esticão, dos teus ohos revirados, das tuas mãos esticadas, hirtas, do teu pescoço marcado...do veho banco de madeira, que te dei, à tua beira, caído no chão.

Quiseste controlar a tua vida por um momento...e conseguiste?
Afinal, controlaste a vida ou a morte?

quarta-feira, maio 18, 2005

A cor da morte

A rua estava deserta e por mais que tentasse não conseguia parar de te ver. A tua cara perseguia-me, as tuas mãos pareciam tocar-me, mas quando te tentava agarrar o teu corpo esfumava-se no ar e desaparecias.

Faz hoje um ano que deixei de te ver; faz hoje um ano que o teu corpo sucumbiu ao golpe fatal; faz hoje um ano que vi aquela mancha a tornar-se maior e maior como que cobrindo todo o teu abdómen; faz hoje um ano que deitei fora as roupas sujas do teu sangue; faz hoje um ano que limpei o teu sangue das minhas mãos; faz hoje um ano que chorei e que não voltei a faze-lo...

Não vivo obcecada por ti, mas hoje foi mais forte, lembrei-me de tudo.

Lembrei-me da faca, lembrei-me dele, dos seus olhos cheios de raiva, dos teus olhos cheios de medo, do meu olhar aterrorizado, das suas palavras directas e autoritárias, das tuas a tremer, das minhas caladas, lembrei-me do seu gesto rápido que te atingiu e te roubou de mim, do teu gesto de defesa, do meu gesto lento em te socorrer…

Lembrei-me que te pediu “lume”, lembrei-me que tu deste, lembrei-me que te exigiu o dinheiro, a minha carteira; lembrei-me que cedi, lembrei-me que negaste e acenaste, não sei porque ,para quê (talvez para intimidar); lembrei-me que não tomaste a atitude certa; lembrei-me que morreste nos meus braços, que o teu olhar fixou um ponto que não eu, ele fugiu, tu apagaste o brilho nos teus olhos e eu chorei, chorei…

Foste tapado com um lençol branco, mas que se tornou na cor da tua morte, ficou vermelho, um vermelho que parecia absorver tudo o que o rodeava, parecia que te cobria todo, a mancha parecia espalhar-se e espalhar-se…eu limpava a tua morte do eu corpo, mas doía, doía tanto…

Faz hoje um ano que deixei de chorar, que deixou de doer, sem deixar de magoar, sem deixar de existir mágoa pela saudade que ficou dia após dia, pela saudade do que fomos, pela vontade do que poderíamos ter sido.

E fico assim calada a olhar para a tua fotografia, e fico assim calada a sentir… vou-me embora, tu ficas, mas nunca te irás embora de mim.

Pega, estas flores são para ti.

sábado, maio 14, 2005

Juntos

Foi percorrendo caminhos, que por causa dos copos, lhe pareciam sinuosos; mas ria de contente entre a sua gente e a outra que não era sua, mas que lhe pertencia apenas porque estavam como ela, assim, em caminhos tortos e com pedras...
E entre o espaço de uma barraca e outra ia puxando passas largas do tabaco que tinha enrolado em casa, apenas porque sabia que não teria espaço para enrolar por lá e ia dizendo que não, que não dava passas, porque era apenas e só tabaco, aparentemente o olfacto não funcionava tão bem como o paladar para alguns dos que ali estavam.
E foi algures por ali, numa hora qualquer da madrugada que ele apareceu e lhe deu a mão e foram juntos e ficaram juntos e sentiram juntos e separaram-se juntos assim como da outra vez, talvez porque não sabem o que é estar junto...