domingo, janeiro 21, 2007

Eternamente só




Antony And The Johnsons - Hope Theres Someone

Está tudo espalhado pelo chão.
A minha roupa, os vidros partidos, porque eu os parti e tudo o resto daquilo que nos pertenceu.
Assola-me à memória o calor dos teus abraços e sinto um arrepio na pele que me faz sentir-te perto. E faço de conta que não foste embora, que somos eternos como esta tatuagem que tatuei a preto no peito, no sítio do coração. E faço de conta que o amor faz hoje parte de nós como fez ontem e que o amanhã trará um sol que nos iluminará no caminho para o trabalho e que a lua será protectora da nossa chegada a casa.
Estes lençóis, em que agora me deito, cheiram a vários amores. Amores de hoje, nunca de amanha, não cheiram a ti amor, cheiram ao sal do suor e cheiram ao sal de cada lágrima que choro por ti.
Imagino que te beijo – acordo agarrado à almofada; “cabrão de merda!” é o que me chama o espelho – respeito-lhe a honestidade, mas só me apetece parti-lo em mil pedaços.
Peço-te desculpa, uma e outra vez e volto a pedir quantas vezes sejam precisas, quantas vezes estejas disposta a ouvir até me desculpares:
Desculpa, meu amor, por não te ter amado como só tu mereces, desculpa não me ter feito amar como só tu podias amar.
Quero que este dia aqueça, porque o sinto frio. Tenho a certeza que sou eu quem não aquece, porque me estou a deixar ir. E este choro aflitivo que dói, que dói muito, mais do que posso aguentar, diz-me que é hora de te deixar ir, porque já tiveste muito nesta vida maldita que só te magoou.
Sei agora que a dor que sinto foi a dor que causei. Sou hoje a mágoa que te infligi como seta que perfura a carne em direcção à alma.
Mas não chega… e arranco o músculo, a carne que se cola aos ossos e no lugar do coração tenho uma pedra negra que pulsa arrefecida quando a atinjo, e ao arrancá-la não morro, fico numa agonia eterna, tal como a de Prometeu, que me consome e dilacera, mas que me mantém vivo e me mantém morto ao mesmo tempo.
E tudo por ti, meu amor, tudo por aquilo que és, principalmente pelo que foste quando o meu coração nunca te quis, quando não me imaginava contigo na velhice.
É uma tolice isto que digo, será o princípio do fim?
Peço-te, rogo-te que me esqueças da tua mente, porque já me apagaste do coração – não quero morrer sabendo que guardas as sombras da tua vida – rogo-te ainda que ores para que eu me vá de vez, não consigo faze-lo sem ajuda.
Ai Deus! Mas que dor esta de querer e não conseguir, de desejar e não obter:
Quero morrer! Quero morrer! Quero morrer!...
…os anjos não me vêm buscar, riem-se da minha morte tardia e longa e abandonam-me à sorte do tempo dos Homens que me parece mais eterno do que nunca e sofro por ter sido um homem de paixões e desejos fáceis, por ter sido um homem que julgava ter nas mãos a felicidade e que por isso a usava à vontade de cada dia.
Morro enfim, sozinho, frio, neste quarto que me serve de abrigo para o fim. Passados dez anos de te ter tido e de ter julgado amar-te como merecias, morro sem ti, sem mim, sem ninguém afinal.
O que fui? Quem sou?
Homem de amores sem amor.

domingo, janeiro 07, 2007

Verónica, Bernardo e Isabel



As time goes by - Frank Sinatra

Verónica sentia-se especial, naqueles quartos de hotel de cinco estrelas, quando se encontrava com Bernardo.
Bernardo é casado, tem dois filhos, uma mulher que às oito da noite tem o jantar pronto e que o tem aquecido nos dias em que ele chega mais tarde por causa das reuniões com o engenheiro da obra – diga-se, cá entre nós, Verónica.
Isabel, a mulher de Bernardo, que não é parva nenhuma, sabe muito bem, que o marido não tem reuniões algumas, sabe perfeitamente que o pai dos filhos está na cama com uma qualquer mulher enquanto ela faz o refogado para a carne estufada com batatas, que será o jantar de hoje.
Verónica está já deitada, na cama, quando Bernardo abre a porta do quarto. Hoje ele traz-lhe um ramo de rosas vermelhas, enorme, lindo! E ela, salta da cama e beija-o sofregamente… e ainda que Bernardo esteja entregue a esta paixão carnal, não consegue evitar pensar que o último ramo, igual ou parecido com este, que deu à mulher foi há… nem se lembra, talvez tenha sido aquando o nascimento do Pedro, o filho mais novo, há coisa de dois anos e meio.
Mas assim como pensou, depressa se vê com a camisa desapertada e se entretém a desapertar o cinto do roupão da amante.
Verónica faz destes momentos, de desejo e de êxtase corporal, os seus minutos especiais, deixando-se envolver pelo cheiro das rosas misturado com o do after-shave daquele, que por duas horas, é o seu homem.
Esta mulher não quer um homem que lhe pertença exclusivamente, não quer compromissos, não quer fazer jantares nem aquecer papas, não quer ter ciúmes, dúvidas, se por algum acaso ele se atrasa e fica em reuniões… Verónica é “a outra”, não quer outras e gosta de se sentir assim, gosta de ser a escapadinha dele duas vezes por semana, gosta de saber que ele move mundos e fundos por duas horas de corpo que nunca teve filhos, que frequenta ginásios, que é templo onde se pode refugiar e imaginar livre embalado pelo cheiro a perfume.
Isabel de tantas voltas dar à cabeça, deixou queimar o refogado, abandonou a cozinha, deixou os miúdos coma irmã e dirigiu-se ao local das reuniões do marido – mal de Bernardo que não sabe que contas destas não são pagas com cartão de crédito – bateu à porta e (em jeito de película cinematográfica) – disse que era o serviço de quartos, inventando uma qualquer oferta do dia.
A porta abriu-a Bernardo. Olhou a mulher, corou, colou os olhos no chão e calou-se.
Isabel, que não se presta a escândalos, anunciou a Verónica, num tom de voz o mais claro e calmo que lhe foi possível que para o marido ela é “apenas mais uma no meio de tantas outras tontas que se vão julgando especiais por terem champanhe e lençóis de cetim em quartos que tresandam a sexo de putedo franciscano iguala ela” e depois virando-se para o marido comunicou que “o jantar é ás oito, lembra-te que hoje jantam lás os teus e os meus pais, mas tens que ser tu a levar o jantar, porque aqui a cozinheira distraiu-se com as horas e deixou queimar o refogado. Está na hora de pormos todos a conversa em dia e de aqui a otária deixar de o ser…” E posto isto abandonou o quarto com mais segurança e determinação do que aquelas com que tinha entrado.
Verónica vestiu-se e enquanto calçava as meias, Bernardo dizia que ficava com ela agora que tudo estava descoberto e que a amava e que a queria fazer feliz e que só com ela ele seria um homem completo e (blá, blá, blá)...
“Eu não preciso de marido. Eu quero um homem ocasionalmente. E tu? Tu queres alguém que te lave as meias enquanto saltas para a cama de outra que cheire a Channel e não a refogado…” – e saiu porta fora.
Bernardo ficou sentado na cama a pensar, sem mulher, sem amante, sem apetite para jantar e sem sexo…