quarta-feira, junho 28, 2006

Sou menina - I

Cerrei os olhos com muita força, tanta, que pensei que ficariam colados... Tinha medo e tapei-me com os lençois, pensei estar protegida...mas não, os lençois foram arrancados. Eu continuei com medo e ninguém me veio salvar do monstro que estava atrás da porta...

sábado, junho 17, 2006

Diário de um suicida IV - há sempre um fim para uma história

"Não pertenço aqui, não a este mundo...
Algum dia teria que me aperceber disto.
Olhei à volta e vi que não podia mudar nada. Não me vejo na força, na coragem - chamem-me cobarde- de mudar para a incerteza, se é já no incerto que vivo.
Tomei uma decisão, não me pus ao encargo de ninguém, senti as redéas, pela primeira vez, e vou tomar conta de mim...
Obrigado por terem olhado por mim...
Obrigado pela paciência, pelas boas palavras, pelos abraços e pelos beijos...
Obrigado por me ouvirem, por me entenderem, por me julgarem...
Obrigado pela partilha, pelos sorrisos, pelas conversas...
Chegou a altura do meu fim, chegou a altura de acabar com uma existência que me entedia...
Chamam-me do alto, não sei voar, mas não me aguento de pé.
Desabafo pela última vez antes de apanhar o comboio.
A lágrima, sempre uma, sozinha como eu, salgada, que me toca os lábios, faz com que acene um "adeus"...
Até um dia,
quando eu "renascer"...
Francisco"
Francisco escreve em frente ao seu forte e também sua fraqueza, em frente ao seu guarda de insónias: o espelho... e espera que a imagem reflectida não seja espelho de ninguém: não saber o que se quer e quem se é...o seu único arrependimento.
E as palavras são lidas por quem mais o ama, por quem o criou e deu colo, por quem chora por ele, pela falta e pela saudade... Há vontade de o abraçar, e há vontade de o chorar. Recorda-se a história de uma vida e parece que se disse "olá" e logo a seguir "adeus"... não se é feliz...
E a dor persegue quem fica, a carta é lida e relida, não há glória nesta história, não há heróis no céu para salvar esta vida... Chora-se Francisco.
A casa vazia, com cheiro a tequilla, enche-se de gente que lamenta não ter estado lá, chegam amigos com a brisa da manhã, mas não trazem oxigénio suficiente para uma vida, e nada renasce aqui.
Há uma mãe no canto da sala que não consegue tirar os olhos do espelho partido em mil pedaços e só consegue pensar "são sete anos de azar...até à minha morte, até dar a mão ao meu filho."
E as mentes só pensam em Francisco e cada alma pensa: "se eu soubesse..."
(Todos precisamos da ajuda de alguém... Li as linhas dos teus livros preferidos...vi os videos e as fotografias e olho agora os espelhos olhos nos olhos. A tua lição está dada... gostava que ma tivesses dito.
Até um dia)

sábado, junho 10, 2006

Diário de um suicida III

O Sonho

"Percorro as ruas. Não chove, mas deixo marcas de mim pelo passeio, são marcas que parecem pingos minúsculos da água dos céus.
Não há dilúvio, há uma confusão de pensamentos, ideias assombrosas, tempestuosas, obscuras, de raios de morte e que os parta, choques de razão e sentimento, há trovoada...
...continuo...
...percorro meio caminho, penso que o é, mas o fim parece tão longe e difícil de alcançar, o passeio está numa avenida, que de tão longa, é ponto de fuga.
Corro e não alcanço, o sol queima-me a pele, o sal seca-me os olhos, não vejo o horizonte...
Um buraco! Contorno ou passo por cima?
Tento um salto...
...falhei, caí!"

Francisco levanta-se e vai à casa-de-banho, olha a parede onde está o espelho que o espera todos os dias.
Junto do lavatório e sem olhar para o seu reflexo, Francisco, abre a torneira de àgua fria, junta as mãos em forma de concha e atira o liquído para a cara, molha os cabelos também.
Depois?
Depois olha os olhos de quem não vê, vê o reflexo esbatido de um estranho e ouve os sussurros dos amigos, que o rodearam e que , agora, lhe segredam palavras e levam Francisco a dizer:
"Rodeiam-me, mas tudo o que tenho, sou eu!"

E o batimento cardíaco de Francisco é acelerado nesta altura, tanto que, a fúria o invade e o homem, que não faz mal a uma mosca (só a si mesmo, pelos vistos), acaba de bater com a cabeça no espelho e tem agora as duas mãos ensanguentadas, a tapar os olhos, a cara, e chora, chora como o menino "Chiquinho" chorava aos cinco anos, quando fazia "dói-dói" e esperava o colo da mãe...

sábado, junho 03, 2006

Diário de um suicida II

"Verme! Até agora já devias ter percebido o que andas a fazer...
Não acredito que haja alguém no mundo que se sinta como tu!
A luz do Sol cega-te, porque olhas para lá...mais nada. Quem te manda olhar?! Quem? Vá lá diz!"

Hoje deveria ser o dia em que Francisco tomaria conciência do que anda a fazer à vida. A verdade é que insulta o espelho todas as manhãs antes de ir para o trabalho. Todos os santos dias quebra a jura que fez a ele próprio e esquece aquilo que promete a si mesmo antes de deitar: amanhã vou rir para o meu reflexo!
Merda da aguardente que põe, os infelizes, felizes num compasso de horas e tilintares do copo com a garrafa, (que é como brinda quem está sozinho), e depois é o que se vê: dores de cabeça e irritação neurótica, suminho de laranja com duas aspirinas e adia o problema até à noite, que é quando torna a chorar as magóas com a garrafa - hà quem as afogue, mas as malditas nunca morrem e vêm sempre à superficie...
Ai Francisco, Francisco... se cada aceno negativo teu, em frente ao reflexo, fosse um passo em frente, um passo para a rejeição daquilo em que te estás a tornar...
A dose de café já aumentou? Quantas horas dormes? Quantos cigarros fumas? Quantas garrafas bebes?
Francisco? úú! Francisco!!!
Caramba! Lá estás tu a deambular em sonhos...
Olha, quando acordares...avisa....
Estou no sitio do costume: na parede do lado esquerdo da casa-de-banho...