sexta-feira, outubro 13, 2006

E dormiu para sempre...



A Bela e o Monstro - Tema principal

A luz ilumina a sala, mas há um canto que é resguardado da luminosidade...
Lá está o Luís, um homem adulto, com a vida organizada, mas num turbilhão de experiências e sensações...está apaixonado.
Fez-se a desgraça do homem. Deixou de comer e de beber, alimentava-se de ar, tinha energia como nunca e parecia iradiar luz.
Ai Luís, Luís em que te foste meter.
Não sabia esta pobre criatura que a musa da sua paixão continuava a comer e a beber como dantes e que tinha a mesma energia de sempre e nem parecia irradiar luz alguma.
Mas Luís, sempre que a via sair do elevador, sentia uma ligeira taquicardia e os olhos pareciam saltar-lhe das órbitras, todo ele sorria.
Acorda Luís, sonhar muito faz esquecer a realidade.
E ela dizia Bom Dia todos os dias a esta alma feliz, mas era um cumprimento de educação, sem ternura, sem afecto... Aliás Luís era o homem de óculos fundo de garrafa no canto mais escuro da sala...
Mesquinha, "snob", altiva...
Luís via a doçura daquela mulher, sentia o mel das palavras, aquelas duas, sempre as mesmas, repetidas todos os dias do ano às nove horas da manhã.
Era pontual ela! E que nome tinha?
A criatura "snob" era bonita, bem ajeitadinha, com cérebro de minhoca!
E têm cérebro tais bichos?
E de nome... chamava-se Margarida.
Ui! toda ela era doce... em ponto de açucar...peganhenta!
E não é que no dia em que ela não apareceu às nove da manhã, no dia em que aquele elevador subiu sem ela (soube-se mais tarde, que estava de férias por motivo de enlace matrimonial com direito a mais mel nas Maldivas), Luís, sentou-se no seu canto escuro, dobrou-se sobre si mesmo, agarrou a barriga - diz-se, em jeito de dor de alma- e berrou, ao que parece um grito que pareceu um pio e deixou cair uma gota de água daqueles olhos que, vistos pela lente dos óculos, eram pequeninos, pequeninos... e adormeceu.
Sim, caíu e adormeceu.
Há quem diga que é um "belo adormecido" e há quem conclua "sem princesa para o beijar e acordar".


Manuela Marques - s/título 2001/2002

sexta-feira, outubro 06, 2006

A revolta de quem rouba



dEUS-Instant street

Para mim é um jogo.
Chego lá e saco o dinheiro. Se aparece uma velha qualquer com gritinhos histéricos, trato logo de a calar.
"Pah!", não suporto que façam escandâlos por meia dúzia de notas...
Quero lá saber que fiquem sem o guito, eu também não tenho. Quem disse que o mundo era justo?
Não é muito difícil chegar lá e espetar um tiro nos cornos àquela gente, já fui dentro por bem menos... e se estou lixado, que me interessa lixar os outros?!
E pronto, se lhes der um tiro, deixo o corpo a apodrecer... o meu apodrece sempre que respiro.
"Men", não é uma coisa que eu já tenha feito, mas ando sempre prevenido, não vou dentro por tar a fazer pela vida!
"ya, ya"... podia trabalhar, e morrer cansado de meter dinheiro nos bolsos das bestas dos patrões, para eles andarem de BMW e Mercedes topo de gama... "Pah" já tentei, mas o poder dos outros irrita-me, põe-me fulo da vida!
O que quero dizer é que se tiver que matar, mato! Tou-me nas tintas.
Afinal de contas, esta gente não reza a um Deus que todos os dias deixa alguém morrer?

domingo, outubro 01, 2006

Não há finas felizes (continuação)

-"Papá,eles dizem que não há finais flizes..."
As palavras tocaram o tímpano de Alberto e som vibrou até ao cerebro. A mensagem não estava ser entendida...
-"Mas eles quem?"
-"Eles, os homens, as pessoas... não acreditam que há finais felizes..."
Quem lhe teria dito isto? Por que razão estaria o filho a ligar àquela hora? Não deveria estar na escola?
-"ó filho, diz ao pai, o que te leva a dizer isso?"
E a criança respirou fundo, o pai ouviu o ar a ser expirado e quase que sentiu o sopro, do filho, no seu ouvido...
-"Diz lá, o que se passa?"
A voz do pai parecia áspera, se pudesse ser tocada, mas era do nervosismo causado pela estranheza do telefonema...
O filho pediu ao pai que não se zangasse, e respondeu:
-"Pai, hoje não quis ir à escola. Hoje fiquei a pensar."
Mas quem era esta criança? Quando é que tinha crescido a este ponto?
E continuou a criança:
-"Eu era pequenino e toda a gente me contava histórias bonitas, daquelas em que toda a gente fica feliz no final... Contavas-me tu estas histórias, contavam-me as professoras, contava-me a mãe...
E eu sempre pensei que comigo seria igual. Eu ia crescer e ia ser sempre feliz...Ia fazer a minha história.
-"Mas estás a fazer a tua história" - retorquiu o pai
-"Eu sei que sim Pai, mas na minha história falta-me a rainha. Nesta história não há finais felizes. Nesta história a minha mãe já não me pode dizer que tudo vai correr bem.
Eles, os meus amigos, os que não acreditam, nem nunca acreditaram nas históras que me contavas, sempre me avisaram, que só as histórias são felizes."
Alberto apercebeu-se que a risada do filhote no seu telemóvel estava desactualizada, que a crinça crescia, que o filho era inteligente, que hoje tinha acordado a pensar na pessoa que era, no homenzinho que se estava formar, num descrente (agora) de histórias de encantar que alimentam o imaginário infantil...
-"Filho, na vida há vários finais, porque há várias etapas, há vários caminhos, há até desvios... mas a vida é real. A morte é uma ilusão."
-"Ilusão?"
-"Porque não a vês, porque não a sentes, só quando ela te toca, a consegues ver... e depois nada mais sabes.. A tua mãe teve o final da vida dela, mas teve tantos finais felizes, tu foste um dos começos e um dos finais da vida dela, tu continuaste a viver quando ela morreu, e isso pode ser um fnal.
Há finais felizes! Há tempos felizes! E lembra-te: quando há um final, há também um novo começo."
-"Como?"
-"A tua mãe morreu, foi um final de uma etapa e o começo de outra, uma nova etapa em que a tua realidade continuou a existir mas sem ela..."
-"Pai, tem um bom dia! Eles dizem que não há finais felizes, porque nunca ninguém lhes mostrou que também os pode haver. Obrigado Pai.."
-"Bom dia filho..."

E Alberto olhou o céu, continuou o seu caminho e desejou que fosse já fim do dia, para chegar a casa e apertar o filho contra o peito.