sábado, junho 17, 2006

Diário de um suicida IV - há sempre um fim para uma história

"Não pertenço aqui, não a este mundo...
Algum dia teria que me aperceber disto.
Olhei à volta e vi que não podia mudar nada. Não me vejo na força, na coragem - chamem-me cobarde- de mudar para a incerteza, se é já no incerto que vivo.
Tomei uma decisão, não me pus ao encargo de ninguém, senti as redéas, pela primeira vez, e vou tomar conta de mim...
Obrigado por terem olhado por mim...
Obrigado pela paciência, pelas boas palavras, pelos abraços e pelos beijos...
Obrigado por me ouvirem, por me entenderem, por me julgarem...
Obrigado pela partilha, pelos sorrisos, pelas conversas...
Chegou a altura do meu fim, chegou a altura de acabar com uma existência que me entedia...
Chamam-me do alto, não sei voar, mas não me aguento de pé.
Desabafo pela última vez antes de apanhar o comboio.
A lágrima, sempre uma, sozinha como eu, salgada, que me toca os lábios, faz com que acene um "adeus"...
Até um dia,
quando eu "renascer"...
Francisco"
Francisco escreve em frente ao seu forte e também sua fraqueza, em frente ao seu guarda de insónias: o espelho... e espera que a imagem reflectida não seja espelho de ninguém: não saber o que se quer e quem se é...o seu único arrependimento.
E as palavras são lidas por quem mais o ama, por quem o criou e deu colo, por quem chora por ele, pela falta e pela saudade... Há vontade de o abraçar, e há vontade de o chorar. Recorda-se a história de uma vida e parece que se disse "olá" e logo a seguir "adeus"... não se é feliz...
E a dor persegue quem fica, a carta é lida e relida, não há glória nesta história, não há heróis no céu para salvar esta vida... Chora-se Francisco.
A casa vazia, com cheiro a tequilla, enche-se de gente que lamenta não ter estado lá, chegam amigos com a brisa da manhã, mas não trazem oxigénio suficiente para uma vida, e nada renasce aqui.
Há uma mãe no canto da sala que não consegue tirar os olhos do espelho partido em mil pedaços e só consegue pensar "são sete anos de azar...até à minha morte, até dar a mão ao meu filho."
E as mentes só pensam em Francisco e cada alma pensa: "se eu soubesse..."
(Todos precisamos da ajuda de alguém... Li as linhas dos teus livros preferidos...vi os videos e as fotografias e olho agora os espelhos olhos nos olhos. A tua lição está dada... gostava que ma tivesses dito.
Até um dia)

8 Comments:

Blogger Klatuu o embuçado said...

Vice versa é fixe!;)

sábado jun. 17, 03:35:00 da tarde 2006  
Blogger Andre_Ferreira said...

Que história! Gostava de pensar que Francisco tinha mesmo apanhado um comboio, que a sua decisão o tivesse levado em viagem pelo mundo e não direito à morte.
Beijinhos

terça jun. 20, 11:23:00 da manhã 2006  
Anonymous Anónimo said...

Francisco merecia outra final!, mas está soberbo este IV capitulo. gosto mais dos anteriores, mas o estilo criativo continua acesso desta bela escritora...
continuo à espera impacientemente de novidades do francisco!
inte e abraço.

terça jun. 20, 03:07:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Conforme a vida que se tem, morre-se ou vive-se, não de asfixia, mas sim no medo que nos salva da loucura, é uma questão que eu tenho comigo mesmo – beber, dia a dia os loucos, os fantasmas que somos nós – Embora custe caro, muito caro, não se pode viver por um fio de puro acaso, porque se viver fosses só duas sílabas de plástico, era muito mais barato! Tudo isto é uma velha dor, mas às que mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal a vida deixará de perdemos o sentido...
Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser, que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente que vive a vida sem viver porque é mais segura.
Se a pudéssemos fechar na mão, e de tanto enredo imaginário, incitar alguém a um fértil jogo de amor, então um seria a decisão e coragem que valem mais que esses irónicos fantasmas à procura do que não fomos, do que não seremos, dos aventureiros já sem aventura, perfilados de medo a descobrir novos enredos com o coração nos dentes oprimido e com a certeza que o medo vai ter tudo… esquece-se que a poesia é a vida, e se a vida é vidinha, já não há poesia que resista, só a morte que se mete de permeio pelos remorsos do que somos.

Tudo isto, só porque ñ sabia realmente como comentar os teus textos, estão muito bons mesmo, embora eu não concorde com a morte do suicida. Sou dos que acha que suicidas somos quase todos os que habitamos neste planeta, vamo-nos matando pouco a pouco todos os dias, com a quantidade de drogas que precisamos para conseguir viver. Se perguntarmos a um tóxico quantas vezes lhe apeteceu dar o chuto final e acabar com toda a angustia, a todos esses deprimidos que abusam dos fármacos com ou sem a ajuda do álcool, a todos os que se refugiam em qualquer coisa para não “sofrer”. Às vezes acho que o melhor mesmo para essas pessoas era a coragem para fazerem o que lhes vai na alma e acabar de vez com todo o sofrimento. Sou dos que considera o suicídio um acto de coragem, embora nunca tal acto me tenha passado pela cabeça.
Kiss, continua...

terça jun. 20, 04:06:00 da tarde 2006  
Blogger Taina said...

excelente :) adorei a visão do francisco e dos que ficam para trás

terça jun. 20, 11:04:00 da tarde 2006  
Blogger Synne Soprana said...

Acabei de devorar os teus últimos 4 posts... E que posso eu dizer?
Está excelente!

"Até um dia,quando eu "renascer"..."

domingo jun. 25, 01:17:00 da tarde 2006  
Blogger Lord of Erewhon said...

As histórias de suicidas terminam rápido demais! :)=

segunda jun. 26, 06:46:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

...um fim suicida nunca pode ser feliz.. deixa sempre dor.. so conhece essa dor quer por la ja passou..

segunda out. 22, 03:41:00 da tarde 2007  

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