domingo, abril 23, 2006

Arrependimento

“Até lá, estás melhor sozinho...” – disse-lhe no tom mais frio que conseguiu.
Por dentro chorou.

Ele chorou à frente dela. Não proferiu uma palavra. Deixou-se cair no maiple e pôs as mãos sobre os olhos. Ao fim de uns minutos de silêncio, quebrados por sons de lágrimas que saem em soluços por não puderem ser gritos, ele olhou para ela, olhos nos olhos, alma na alma e pediu-lhe, com palavras mudas, um abraço.
Ela não lho deu e saiu da sala, saiu de casa.

Nunca mais a viu, porque os advogados faziam a conversa. Teve pesadelos e sentimentos de culpa: nunca se assumiu homem de uma só mulher, mas sempre amou só uma, só a amou a ela, e com ela quis ficar sempre, até ao fim.
Teve o fim mais depressa do que pensou, ela escapou-lhe entre os dedos. Nunca mais a iria prender nos braços e fazer rodopiar na sala, deixando-se cair no tapete, por fim, por força do cansaço, e ali adormeceriam a olhar para o tecto e a desenhar nele sonhos a dois.
“Será que o tempo volta para trás se eu lhe pedir desculpa” – nunca chegou a ter resposta, porque, por cobardia e vergonha, nunca perguntou.
Os sonhos eram insuportáveis pela felicidade que faziam sentir. Tudo lhe lembrava a mulher que amava e só então se apercebeu que precisava realmente dela, a cara, os gestos dela perseguiam-no para todo lado. Os cabelos castanhos que passavam por ele, na rua, eram os dela, mas o cheiro era diferente, eram cheiros enjoativos, cheiros de desdém, cheiros de desamor.
Os engates dos bares tornaram-se ineficazes de satisfazerem até o desejo físico – “sou ridículo, não consigo amar!”.
-“não consegues sequer apalpar...!” – e novamente eram-lhe negados abraços e saiam de casa passos femininos.
A casa era o templo deles. Ele teve que sair de lá. Foi viver para um rés – do- chão, o esquerdo, porque ela gostava do lado direito. Com ele só levou o maiple em que chorou, fora ela que o tinha comprado e ainda tinha o cheiro dela misturado com o dele...
Todas as suas memórias foram com ele e eram insuportáveis.
O peso do mundo era grande, tão grande, que um dia enquanto olhava as linhas das suas mãos e tentava de alguma maneira desvendá-las, viu que eram curtas...
A arma, contra o palato, foi a última coisa que as suas mãos seguraram.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ola, enquanto a lua for calada e branca, vai ser sempre assim, a separação sempre aparenta insuperável...abração.

domingo abr. 23, 11:44:00 da manhã 2006  
Anonymous Anónimo said...

É por virtude tua que tu és o meu vicio… a luz do teu rosto quando sorris, a maneira como brilha, torna-me prisioneiro nos olhares, faz-me crescer o desejo de acordar com o teu beijo.
A princípio é simples, anda-se sozinho, depois, …tropeça-se com a tua presença na avenida, e a tua voz entra no meu destino, e logo tudo arrasa. A tua imagem nunca mais sai de mim, … agarraste-me… acho que é paixão, por toda essa beleza em bruto… Quero-te amiga, amante, quero-te amar como se fosses a mais indefesa… Um amor ardente, um amor no sentido primeiro e secular, quero viver um amor mais do que perfeito, porque amores anónimos não há.


Assim é o amor....

KISS

segunda abr. 24, 05:10:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

:) Adorei o teu texto.

As mãos são, às vezes, por vezes, demasiadas vezes, curtas demais...

Beijinhos

terça abr. 25, 02:24:00 da manhã 2006  
Blogger Monique Mendes said...

Lindo texto...aliás como sempre nos habituaste!
Já tinha saudades de cá vir... a vida tira-nos o tempo para as pequenas coisas boas que gostamos realmente de fazer!
Beijinho grande

sexta abr. 28, 10:16:00 da manhã 2006  
Blogger ricardo said...

hi.
gostei do texto!
bjoka

sábado abr. 29, 07:31:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

claro ke amamos kem imaginamos e não kem está à nossa frente,pq acabamos por descobrir mais tarde ou mais cedo ke essa pessoa n é kem idealizamos.

quarta mai. 03, 10:33:00 da tarde 2006  

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