quinta-feira, maio 04, 2006

"Tó Zé"

Não tem direito a misericórdia. Apanharam-no de arma na mão.
Derrubaram a porta da frente, Tó Zé saiu de mãos no ar com a arma apontada ao céu.
A mãe gritava "Meu Deus!".
Tó Zé queria disparar sobre o manto azul que o cobria, a ele e ao mundo, e queria atingir a Casa daquele por quem gritava a mãe.
A raiva acumulada, sentia-a ele com o sangue a ferver-lhe nas veias, viam-na os policias nas veias salientes do pescoço - tinha-no em mira, não fosse o diabo tecê-las...
A mãe começou um pranto enquanto bradava aos céus, numa dor que só quem pariu sente, enquanto Tó Zé, dava passos lentos em direcção àqueles que lhe apontavam armas.
- "Pouse a arma" - disseram-lhe.
Pousou-a Tó Zé.
- "Deite-se no chão!" - gritaram.
Deitou-se Tó Zé.
- "Maõs atrás das costas!" - ordenaram.
Assim fez Tó Zé.
Meteram-no no carro depois de o algemarem.
- "Calem-me essa mulher, que não a suporto ouvir!" - gritou o homem, (devia ser o chefe, mas isso já é uma suposição do narrador), morre o choro da mãe em compassos lentos de soluços.
Tó Zé é preso, "enjaulado" - palavras dele, que quem escreve não diria de tal forma!
Passaram-se meses e ele ainda ali está, dentro de três paredes, porque a quarta é uma porta de ferro: na cela não dorme mais ninguém.
Este homem, que está preso, tem apenas uma visita: a mãe, que lhe traz bolachas de manteiga e cigarros, que ajudama queimar o tempo, tempo que durará quinze anos com redução de pena - assim se espera, ou melhor, assim espera a mãe (porque quer o filho) e o advogado (porque é mais uma vitória), porque que se saiba, mais ninguém quer este homem a andar pelas ruas.
Tó Zé é um homicida.
A mãe tem escrito "assassino" nas paredes lá de casa, por gente que com raiva e ódio se permite a essas coisas de humilhar quem pariu tal homem - "bicho" é o que lhe chamam- tão odioso!
O tribunal chama Tó Zé - o advogado falou em liberdade condicional.
Tó Zé pede para ir à casa - de- banho.
Chamam para entrar na sala... demora-se o arguido. Batem os guardas à porta :"mas este filho- da - mãe não sai da retrete?" - e arrumbam a porta com um pontapé.
Lá dentro, sentado na sanita, não está um Tó Zé mal dos intestinos, mas sim um homem sufocado, um homem privado de oxigénio, com um saco de plástico metido na cabeça.

FIM

14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mas que raio de história mais macabra, e digo macabra porquê ?
Porque para quem se levantou agorinha mesmo e se lhe depara um texto destes, que mais o poderá esperar pelo resto do dia ?

Mas muito boa.

Beijocas primaveris e inté.

quinta mai. 04, 12:18:00 da tarde 2006  
Blogger paulo said...

realmente é macabra mas consegue ser engraçada ao mesmo tempo. gostei...

quinta mai. 04, 12:27:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Porque se suicidou Tó Zé?
Quem matou ele?
Sim é uma história macabra mas triste.
A palavra "Fim", significa o quê? O fim do sofrimento do Tó Zé? E o sofrimento da mãe?
A história ainda tem mistérios por contar. Sugiro a sua continuação. Seria de louvar! A sério.

sexta mai. 05, 02:17:00 da manhã 2006  
Blogger Nandita said...

axo esta mto boa... e vale tanto pelo que conta como pelo que deixa em aberto... dá-nos espaço a nos para a completar, o que e raro hje em dia ;)
beijo

sexta mai. 05, 02:47:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

"Para mim o mundo é uma espécie de enigma constantemente renovado. Cada vez que o olho estou sempre a ver as coisas pela primeira vez. O mundo tem muito mais para me dizer do que aquilo que sou capaz de entender. Daí que me tenha de abrir a um entendimento sem baías, de forma a que tudo caiba nele."
José Saramago

Tambem este texto ( escrito de uma de uma certa forma à José Saramago) é uma espécie de inigma constante e, cada vez que o relemos parece que o estamos a ler pela primeira vez, este texto tem tanto para entender, tanto para questionar que vale a pena parar para pensar um pouco.

Kiss

R.R.

sexta mai. 05, 05:35:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Minha amiga, o que pretendeste dizer com o azul "GRAVADO".
Não me digas que não gostaste só por causa desse motivo ? Ou será que adoraste e estás a meter-te comigo sabendo de antemão qual a minha côr clubística ?

Seja qual fôr a resposta, deixarei sempre as beijocas e o habitual inté.

sexta mai. 05, 07:53:00 da tarde 2006  
Blogger Luís Filipe C.T.Coutinho said...

Adorei.

beijo

domingo mai. 07, 07:52:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

É uma história bastante verossímil, aliás qualquer história
esta aquém da próxima, gostei do teu texto..abração

segunda mai. 08, 02:13:00 da manhã 2006  
Anonymous Anónimo said...

Tinha saudades de um texto tão bom e inspirador. talvez mesmo o melhor, na minha opinião, que escreveste até agora. Continuas imparável e cada vez melhor. Parábens. beijinho

segunda mai. 08, 12:03:00 da tarde 2006  
Blogger simao said...

"O tribunal chama Tó Zé - o advogado falou em liberdade condicional.
Tó Zé pede para ir à casa - de- banho."

só por esta vale a pena

terça mai. 09, 12:10:00 da tarde 2006  
Blogger Bizarro said...

:)

sábado mai. 13, 11:38:00 da tarde 2006  
Blogger Drifter said...

Não fica nada em aberto... É o fim de uma vida. Para ele, acaba aqui...

Muito bom texto!
Beijos,
MrX

terça mai. 16, 11:19:00 da manhã 2006  
Anonymous Anónimo said...

Claro que depois de ter lido este belo texto,como mãe que sou,solidarizo-me com aquela mãe que chora a má sorte do filho.Esse, fez o que deviua fazer ....afastar-se do Mundo.

quarta mai. 17, 09:02:00 da tarde 2006  
Blogger Insolitudewecry said...

Confesso que afinal não tinha lido... Não sei... É estranho...

Mas agora te digo, isto está genial, adorei o vazio que atravessa todo o texto, como se o destino fosse avassalador, e a vida fosse apenas um pormenor... Olha, acho k não tens razão ao dizer que não é nada de jeito, é mesmo muito bom, excelente, isto. E nem é por ele se suicidar no fim (com um saco na cabeça? lol)
Beijos

sábado jun. 17, 08:41:00 da tarde 2006  

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