domingo, novembro 05, 2006

Alma que é corpo



A PERFECT CIRCLE - IMAGINE

Levantemos os olhos.
Olhemos o homem prostrado em frente àquele altar.
Vejamos a mulher que entra nesta igreja, neste exacto momento, e que se dirige ao confessionário.
Reparem na preocupação que, o homem, tem estampada nas feições e gestos de reza apressada (ou será compulsiva?) … Que faz ele? Medita? Ralha?
Não. Teme. Julga assim deitar da alma, que é corpo afinal, o seu mal, a sua loucura, a sua dor; tenta expurgar pecados que alguém lhe disse que eram só seus, que alguém lhe fez crer que o matavam, não cá, mas lá do outro lado (seja lá que lado for).
Sigamos então a mulher (porque a reza dele se alonga e nós temos o relógio a dar conta do tempo), acabada de entrar no confessionário.
Lá, à sua espera, sem saber quem aguarda, está o padre – homem quase santo, braço ou perna, cabelo ou pêlo de deus, não se sabe, eu não sei, mas ele assume-se como seu representante.
Esta mulher veio carpir a falta do seu homem, que foi para junto do Senhor “faz hoje dois anos”. E o padre, que é homem e cura males da alma, começa a pensar em como a pode ajudar. Começa a reza, o zunzum de lábios que se deveriam tocar em surdina, e ficam os dois assim uns minutos.
Escutemos os pensamentos do padre – shiuu baixinho – que perdido nas rezas, que já lhe são diárias e mais que diárias, que passam pelos minutos todos de um dia, imagina que as mãos são para tocar e que se um homem comum não o faz por respeito à viúva, ele, o padre, a pode abraçar. E já abraçado que está imagina que aquela boca já não beija, mas que tem ânsia de o fazer, e que esta mulher terá pernas roliças à espera de serem apalpadas e que os seios precisam de ser acariciados e que a cama de um homem pode ser de outro e logo este que só tenta aquecer a alma, que é corpo afinal, de uma crente… Respira…
Vejam como está perdido em pensamentos e calafrios, oiçam como debita monossílabos à mulher que desabafa e que entretanto – escutem - já terminou a carpideira.
“Ámen e que o Senhor te acompanhe”, que ele não pode, mas que o teria feito de livre vontade, por misto de obrigação dele e consolação dela afim de ambos serem libertos da tensão que os une e se sentirem em paz.
Ainda ali está o homem ajoelhado junto do altar, quando já sai a mulher porta fora, assoando-se num chinfrim de arrepiar, tão sozinha como quando entrou, mas logo sai também, vejam… Para onde? Não sei… mas vai solto, deixou no altar cruzes e pesos pesados de males que pensa ter.
E rezam estas três pessoas a um deus, que se diz se maior, mas deixam-se arrastar para um local de união em que cada um faz por si para atingir o seu Olimpo, para atingir a sua paz e nenhum deles confortou o outro e cada um deles queria ser confortado.
Vamo-nos embora que se faz tarde e há mais paróquias onde pregar, talvez numa delas esteja deus, o Grande, o pai, Irmão, o que for, talvez lá, consigamos entrar de coração aberto e não de ouvidos curiosos às rezas de outros…

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora aqui está um tema muito actual ,muito humano,muito racional.Se algum PADRE ler este texto bem elaborado,bestialmente bem escrito,pensará com um sorriso cúmplice que:IMPRESSAODIGITAL vestiu a batina,transformou-se em homem,de DEUS? ou não tanto,e expressou correctamente o que o PADRE-HOMEM sente.
Muito bom ....parabéns.
beijo

domingo nov. 05, 04:07:00 da manhã 2006  
Blogger Nandita said...

um bom exemplo das fronteiras entre o que somos e o que mostramos. talvez um padre seja um dos exemplos mais flagrantes... Homem de Deus e ao mesmo tempo Homem terreno, como resistir a ultrapassar estas linhas?

Tinha saudades. Beijo

domingo nov. 05, 01:19:00 da tarde 2006  
Blogger Insolitudewecry said...

Li e reli... E reli... E digo-te mais. Isto é um texto "Foda-se!" ;) Brilhante :)
alma vs corpo,ou... a alma tb é corpo? Pois claro k é,e juntando os dois fica o Uno, a santissima trindade, os dois que sao um. E as personagens estão excelentes, o homem que é só alma (medo do corpo?) prostado na reza, sim... louco! o padre que é so alma, mas oferece o corpo pq o deseja, e a mulher que busca (desesperadamente?) a união do corpo e da alma. Afinal, é a mulher a Grande Mãe, a terra, a fusão... Brilhante!!!

segunda nov. 06, 01:32:00 da tarde 2006  
Blogger Luís Filipe C.T.Coutinho said...

Leio-te enquanto já tudo se confunde. As tuas palavras misturam-se com o que se procura e nunca se encontra, pois não parte de nós descobrir as causas, somos efeitos...

segunda nov. 06, 06:29:00 da tarde 2006  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Tão perversas, as Igrejas!

terça nov. 07, 11:24:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Gosto de "te ler".
Entendo que o Homem devia ser um só. No entanto, o padre, que é Homem, é "vitima" de um clero que nem o próprio João Paulo II conseguiu mudar. Apesar de todas as tentativas...
Beijo

quinta nov. 09, 07:21:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

Gosto de "te ler".
Entendo que o Homem devia ser um só. No entanto, o padre, que é Homem, é "vitima" de um clero que nem o próprio João Paulo II conseguiu mudar. Apesar de todas as tentativas...
Beijo

quinta nov. 09, 07:23:00 da tarde 2006  
Blogger Ghost said...

Grande reflexão sobre a igreja e algumas das suas contradições... É pena que figuras tão importantes da nossa sociedade, como são os padres (ás vezes muito mais importantes do que quem realmente manda), sejam tão diminuidos pela própria igreja...

sábado nov. 11, 08:06:00 da tarde 2006  
Blogger Insolitudewecry said...

Este texto não tem nada a ver com a igreja...

quinta nov. 16, 06:09:00 da tarde 2006  
Blogger Ghost said...

Não, tem claramente a ver com a história e geografia do Zimbabwe...

sábado nov. 18, 01:14:00 da manhã 2006  
Blogger Ana João said...

Bom, eu não quero estar aqui a corrigir formas de interpretação do texto, mas a verdade é que este texto não é uma forma de crítica à igreja.
Para falar sobre a Alma, sobre o Corpo, ocorreu-me, que melhor local para os situar que não uma igreja.
devo dizer que a interpretação feita pelo "insolitudewecry" diz precisamente aquilo, a intenção, com que foi escrito este texto.
E sim, também poderia fazer daqui uma critica à Igreja, mas não com estas três personagens... com o padre talvez, sem dúvida...

domingo nov. 19, 02:38:00 da manhã 2006  
Blogger Insolitudewecry said...

Obrigado coisa linda :)
E devo dizer-te que acho (e repito acho) que percebi MUITO bem o que quiseste dizer com o texto, que deixa-me dizer-te... Está genial, não sei se já o disse ;)

segunda nov. 20, 07:38:00 da tarde 2006  

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