sábado, abril 09, 2005

A caixinha de surpresas da minha avó

Fui jantar a casa da minha avó, hábito quatidiano, mas recente.
Depois de jantarmos fomos para a sala a tempo de vermos o resto do telejornal (janta-se cedo por lá) e trocar meia dúzia de palavras como é costume, banalidades do dia-a-dia que não fazem conversa nenhuma.
Mas hoje foi diferente. Hoje, a minha avó disse mais do que meia dúzia de palavras, hoje sentei-me no sofá e nem olhei paraa televisão.
Falou daquele homem alto, de figura imponente, não sisudo, mas de poucos sorrisos, não antipatico, mas de poucas palavras, que usava sempre chapéu, que me dava sacos de rebuçados e a quem eu cumprimentava com dois beijos quando lhe dava os "bons dias" nas semanas de férias que passava por lá.
A minha avó falou-me do marido dela, do amigo de infância que aos quinze anos se apaixonou por ela, e que a visitava frequentemente durante quatro anos levando-lhe bugigangas que comprava por aqui e por ali (e que estão, ainda hoje, religiosamente guardadas numa caixa de cartão) até ela aceitar finalmente o compromisso de namorar com ele.
Falou-me do homem que encontrava, muitas vezes, a olhar para a fotografia dela e que lhe dizia "por esta mulher eu ia ao fim do mundo!".
O homem alto, de figura imponente, não sisudo,mas de poucos sorrisos, derretia-se sempre que abraçava a mulher, do homem que desfilava nas ruas da Foz, com a mulher envolvida nos braços dando-lhe beijos, enquanto os filhos ainda pequenos se entretinham com a areia e a agua salgada, não se importando com os olhares alheios que muitas vezes reprovavam tais actos!
Hoje, a minha avó, abriu uma caixa de surpresas, mostrou-me o homem alto, de figura imponente,não sisudo, mas de poucos sorrisos...falou-me do meu avô, um homem ternurento, meigo, preocupado e dedicado à mulher e aos filhos...um homem que eu desconhecia.

12 Comments:

Blogger Der Überlebende said...

Certa vez um filósofo terá dito que "um desconhecido é apenas alguém que ainda não tivemos a oportunidade de conhecer". Acredito que dentro de cada um de nós haverá uma caixa de surpresas ... ou de Pandora. Durante a nossa vida conhecemos centenas, ou mesmo milhares de pessoas (pensem só na quantidade de colegas de escola que já tiveram) e o que terá ficado da maior parte delas? Memorias vagas, histórias mal contadas, opiniões circunstanciais e pouco mais do que nada. Nós somos essas memórias, histórias, opiniões e "nadas" para essas mesmas pessoas, e no entanto estamos certos de que teriamos muito para lhes contar. Caminhamos num limbo de compromisso psico-social entre o "conhece-te a ti próprio" e o "vê-te nos olhos dos outros". E amanhã, quem se lembrará de nós?

domingo abr. 10, 12:48:00 da manhã 2005  
Blogger Ana João said...

adorei!!! :) eu tava com saudadinhas!! :)

seja bem vindo a terras lusitanas (kando cá chegares) e que sortuda é essa mulher que por certo vai ficar (ainda mais) arrebatada!!!

domingo abr. 10, 02:31:00 da manhã 2005  
Blogger Nandita said...

é muito bom poder desvendar o passado.
conhecer as histórias daqueles que não conhecemos ou conhecemos mal, mas que tomaram parte na construção daquilo que somos.

aproveita essas horas, ana joao...
eu lamento não as ter aproveitado todas. uma das conversas mais serias sobre o passado que eu tive com a minha avó aconteceu um dia antes dela ter o AVC que a atirou para a cama, sem falar nem andar... por isso falo-te com experiencia propria.

Fica bem

domingo abr. 10, 10:59:00 da manhã 2005  
Blogger joão martinho said...

:')

domingo abr. 10, 01:48:00 da tarde 2005  
Blogger Jose Martins said...

A ideia que temos das pessoas mais velhas é quase sempre diferente da verdadeira realidade. Pensamos sempre que os nossos avós foram aquelas pessoas cuja vida foi completamente "sem sabor". Contudo, ao chegar o momento em que nos é revelada a sua verdadeira vida ficamos estupefactos, pois tal como nós, também eles viveram um turbilhão de emoções, experiências e também como nós eles amaram e amam de forma verdadeiramente frenética e intensa!
Adoro os meus avós e apenas tenho pena de não poder estar mais tempo com eles...
Aproveita mesmo muito bem todo o tempo que tiveres com a tua avó porque vão ser esses bocadinhos todos que vão ficar presentes para o resto da tua vida...
beijinho :)

domingo abr. 10, 01:50:00 da tarde 2005  
Blogger Lemon said...

Boas

perdi o meu querido Avô paterno há 2 anos.

Felizmente recordo todos os momentos que passei com ele, a sua figura que apesar dos frágeis 80 e alguns anos mantinha uma família unida, os seus sábios conselhos, as suas licões, o seu infindável carinho e afecto...

Recordo tudo, com muitas saudades e as vezes umas lágrimas. Tenho pena de o ter começado a compreender demasiado tarde. Quem educou centenas de meninos e homens, sabia claro, o que fazia. Sinto especialmente falta das longas conversas que tinhamos, do seu sublime sentido de humor e da sua capacidade de se rir com o meu. De como sempre nos olhou e protegeu, o que aposto os dedos com que trabalho que continua a fazer.

Tenho muitas saudades do meu querido Avô. E do tempo em que estava aqui tão perto. Resta-me aproveitar o tempo que me resta com a minha Avó, pois é a última que tenho.

Aproveita-o também moça!!!

Abraços e Beijinhos!!!

domingo abr. 10, 04:34:00 da tarde 2005  
Anonymous Anónimo said...

Guardo do único avô que conheci, o Paterno, uma imagem de um homem de olhar terno, de mãos calejadas, de andar no campo e um sorriso doce.

Gostei dele. Ainda gosto.

Um abraço. Gostei muito da caixinha da tua avó. :-)

domingo abr. 10, 05:33:00 da tarde 2005  
Anonymous Anónimo said...

não te escondas no silencio.
continua.

domingo abr. 10, 07:24:00 da tarde 2005  
Blogger Joana said...

Homem não sisudo e de muitas palavras me saíu o du de pedra. Mas falou bem. Falou como homem que ama e disso não tem medo. Como o teu avô.

Adoro-vos!

Beijo.

domingo abr. 10, 10:10:00 da tarde 2005  
Blogger Andre_Ferreira said...

Do meu avô que melhor conheci guardo a imagem dum senhor de chapéu que o levantava da cabeça quando por alguém passava e cujo grande amor eram as árvores. Não falava muito nem comigo nem com o meu pai mas acredito que uma pessoa que gostava tanto de árvores só podia ser boa pessoa.
Talvez a idade nos torne mais silenciosos, eu próprio sempre fui bastante silencioso, provavelmente vou continuar a sê-lo!
Beijinhos

segunda abr. 11, 02:06:00 da manhã 2005  
Blogger Dra. Laura Alho said...

Há muito que não comentava por aqui...

Grandes revelações as que tiveste sobre o teu avô. Eu tive a oportunidade de conhecer o meu tal como ele era. Mas há sempre segredos que ficam guardados numa caixa. E essa eu nunca a descobri.

Beijinho e boa semana * :)

terça abr. 12, 11:43:00 da manhã 2005  
Blogger Luís Filipe C.T.Coutinho said...

Hoje a tua avó falou-te um pouco mais de quem és...

beijos

terça abr. 12, 09:23:00 da tarde 2005  

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