quarta-feira, janeiro 18, 2006

A mão que minutos antes tinha emprestado a um desejo.

Todos temos direito à vida, todos temos direito a viver como queremos, não deveríamos ter também direito a escolher como morrer?
Ela era nova, diziam-lhe que tinha todo o tempo do mundo para fazer o que queria, que tinha a vida pela frente...ela ouvia isto deitada na cama do hospital, aquela cama semelhante a tantas outras onde estivera ontem e anteontem e antes, muito antes até à sua primeira memória.Ela era nova, talvez demasiado nova para passar pelo que passou, mas também quando é que se é suficientemente velho para enfrentar o fim de uma vida que não se viveu?Todos acreditavam, ou queriam acreditar, que ela iria sair dali bem, muito melhor do que qualquer um dos que a visitavam, os cientistas, os médicos existem para quê? para curar claro está...Mas as vezes não é assim, e o que ela tinha ninguém sabia curar, o que ela sofria poucos conseguiam imaginar, o que ela queria ninguém quis aceitar.Enquanto ela pedia que não a reanimassem quando tivesse um novo ataque, enquanto ela pedia para não a ligarem a um ventilador, enquanto ela em fase terminal em que estava, no perfeito juízo em que se encontrava, tentava numa aparente calma (porque forças já não havia para discussões) explicar àqueles que a rodeavam o que era parar de insistir em evitar o inivitável, enquanto dizia que não era desistir, mas sim decidir sobre si, sobre a sua vida, sobre a sua morte, cada um daqueles "que a amavam acima de tudo" saiam do quarto batendo com a porta, resmungando monossílabos misturados com soluços sufocados e a cada batida da porta de juntava uma batida do seu (dela) coração...Quando a última pessoa, que estava o quarto, bateu a porta ao sair, também o coração parou de bater, num soluço bem mais sufocado do que qualquer um dos outros, no entanto, talvez bem mais descansado ou até liberto!
Cá fora os outros discutiam a "tolice que lhe (a ela) deu para dizer", entre os choros da mãe, do pai, da avó. Se calhar todos eles tentavam afogar a sua dor, sem pararem para pensar nela.Quando a última pessoa saiu do quarto, todos se viraram e viram a porta a bater, todos viram a figura que de lá saia, todos a viram encostar-se na parede e escorregar por ela abaixo como se à espera que alguém lhe desse a mão, talvez a mão que minutos antes tinha emprestado a um desejo... todos notaram a tristeza daquele olhar, uma tristeza de perda, do que se teve e já não se tem, daquilo que não volta, só depois mais tarde se aperceberam que ouvir já era tarde...


(texto originalmente publicado a 29 de dezembro de 2004 in impressoesdigitais.weblog)

11 Comments:

Blogger Murdoc said...

Estou a ver que já tenho mais um sítio por onde passar :)

Bejo

quarta jan. 18, 06:25:00 da tarde 2006  
Blogger Joana said...

Olá impressão!!

Obrigada pela visita! Tenho anbandoando um pouco o meu sitio... Tenho que ver se volto depressa às lides da escrita...

Beijinho!


PS - Enviei-te um mail para o hotmail. :)

quarta jan. 18, 07:25:00 da tarde 2006  
Blogger Dheyne de Souza said...

A vida escapa.
É válvula de escape.

quinta jan. 19, 10:32:00 da manhã 2006  
Blogger Unknown said...

todas as nossas emoções são egoístas.

quinta jan. 19, 12:34:00 da tarde 2006  
Blogger BlueShell said...

Mil beijos fresquinhos…
BShell

quinta jan. 19, 08:39:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

     ⊇⊆     Não te sabia de posse de mais que um blog     ⊇⊆     apesar de o outro já ter terminado, suponho.     ⊇⊆     Fui lá, no entanto, e achei lindo [ o tal texto original ].     ⊇⊆     És detentora de uma enorme classe a escrever.     ⊇⊆     Continua assim.     ⊇⊆

     •  Beijocas e inté  •

sexta jan. 20, 07:45:00 da tarde 2006  
Blogger Fernando Emérito said...

hum...

domingo jan. 22, 03:30:00 da tarde 2006  
Blogger Morfeu said...

A morte é um assunto delicado. A historia um pouco perturbadora. Escolher a forma de morrer? Penso que ninguém diria não a esta pergunta...
Sem dor, sem sofrer, sem saber...

domingo jan. 22, 09:29:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

adorei a forma como escreveste,embora o tema seja delicado .a padido,eu tb emprestaria a minha mao .beijo

segunda jan. 23, 09:31:00 da manhã 2006  
Blogger Isabel Filipe said...

parabéns pelo teu texto...5 estrelas...

se todos nós temos direito a viver com dignidade...tb deveríamos ter o direito de morrer com dignidade...

Beijo

segunda jan. 23, 12:37:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo said...

muito bom o conteudo, provoca em nos uma reflexão sobre ouvir ...
por vezes nos nao queremos palavras queremos apenos que nos oiçam, o mesmo acontece com os outros mas nems empre nos lembramos disso ...

beijos

sábado fev. 04, 11:04:00 da manhã 2006  

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