domingo, janeiro 07, 2007

Verónica, Bernardo e Isabel



As time goes by - Frank Sinatra

Verónica sentia-se especial, naqueles quartos de hotel de cinco estrelas, quando se encontrava com Bernardo.
Bernardo é casado, tem dois filhos, uma mulher que às oito da noite tem o jantar pronto e que o tem aquecido nos dias em que ele chega mais tarde por causa das reuniões com o engenheiro da obra – diga-se, cá entre nós, Verónica.
Isabel, a mulher de Bernardo, que não é parva nenhuma, sabe muito bem, que o marido não tem reuniões algumas, sabe perfeitamente que o pai dos filhos está na cama com uma qualquer mulher enquanto ela faz o refogado para a carne estufada com batatas, que será o jantar de hoje.
Verónica está já deitada, na cama, quando Bernardo abre a porta do quarto. Hoje ele traz-lhe um ramo de rosas vermelhas, enorme, lindo! E ela, salta da cama e beija-o sofregamente… e ainda que Bernardo esteja entregue a esta paixão carnal, não consegue evitar pensar que o último ramo, igual ou parecido com este, que deu à mulher foi há… nem se lembra, talvez tenha sido aquando o nascimento do Pedro, o filho mais novo, há coisa de dois anos e meio.
Mas assim como pensou, depressa se vê com a camisa desapertada e se entretém a desapertar o cinto do roupão da amante.
Verónica faz destes momentos, de desejo e de êxtase corporal, os seus minutos especiais, deixando-se envolver pelo cheiro das rosas misturado com o do after-shave daquele, que por duas horas, é o seu homem.
Esta mulher não quer um homem que lhe pertença exclusivamente, não quer compromissos, não quer fazer jantares nem aquecer papas, não quer ter ciúmes, dúvidas, se por algum acaso ele se atrasa e fica em reuniões… Verónica é “a outra”, não quer outras e gosta de se sentir assim, gosta de ser a escapadinha dele duas vezes por semana, gosta de saber que ele move mundos e fundos por duas horas de corpo que nunca teve filhos, que frequenta ginásios, que é templo onde se pode refugiar e imaginar livre embalado pelo cheiro a perfume.
Isabel de tantas voltas dar à cabeça, deixou queimar o refogado, abandonou a cozinha, deixou os miúdos coma irmã e dirigiu-se ao local das reuniões do marido – mal de Bernardo que não sabe que contas destas não são pagas com cartão de crédito – bateu à porta e (em jeito de película cinematográfica) – disse que era o serviço de quartos, inventando uma qualquer oferta do dia.
A porta abriu-a Bernardo. Olhou a mulher, corou, colou os olhos no chão e calou-se.
Isabel, que não se presta a escândalos, anunciou a Verónica, num tom de voz o mais claro e calmo que lhe foi possível que para o marido ela é “apenas mais uma no meio de tantas outras tontas que se vão julgando especiais por terem champanhe e lençóis de cetim em quartos que tresandam a sexo de putedo franciscano iguala ela” e depois virando-se para o marido comunicou que “o jantar é ás oito, lembra-te que hoje jantam lás os teus e os meus pais, mas tens que ser tu a levar o jantar, porque aqui a cozinheira distraiu-se com as horas e deixou queimar o refogado. Está na hora de pormos todos a conversa em dia e de aqui a otária deixar de o ser…” E posto isto abandonou o quarto com mais segurança e determinação do que aquelas com que tinha entrado.
Verónica vestiu-se e enquanto calçava as meias, Bernardo dizia que ficava com ela agora que tudo estava descoberto e que a amava e que a queria fazer feliz e que só com ela ele seria um homem completo e (blá, blá, blá)...
“Eu não preciso de marido. Eu quero um homem ocasionalmente. E tu? Tu queres alguém que te lave as meias enquanto saltas para a cama de outra que cheire a Channel e não a refogado…” – e saiu porta fora.
Bernardo ficou sentado na cama a pensar, sem mulher, sem amante, sem apetite para jantar e sem sexo…

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O facto de Bernardo ter ficado sem companhia não é drama a longo prazo! ;)

quinta jan. 11, 11:15:00 da manhã 2007  
Blogger Ana João said...

talvez não...

sexta jan. 12, 08:08:00 da tarde 2007  
Blogger o alquimista said...

Pois é Bernardo...às vezes vale só, outras...

Doce beijo

sexta jan. 12, 09:55:00 da tarde 2007  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Adorei este texto, bem escrito e com o tom certo: gostei dessa «Verónica»! :)

Revê o texto, tem algumas gralhas.

P. S. Querida Impressão Digital... o mar tantas vezes parece Mãe... mas é um Abismo... não obstante, Belo... como tudo o que é metafisicamente tenebroso.

Dark kiss.

sexta jan. 12, 11:39:00 da tarde 2007  
Blogger Ana João said...

é Alquimista, mas este aqui pensa muito no acompanhamento ou nas entradas antes do jantar...


Klatuu obrigada. :)
A Verónica consegue despertar facilmente a curiosidade. Não tão irreal assim, Verónica é uma mulher de felicidades instantaneas... é fácil gostar de alguém assim, que não traz dores de cabeça.

sábado jan. 13, 12:22:00 da manhã 2007  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Também... mas penso que as «dores» ficaram para o fim...
De qualquer modo, há imensas vantagens em conhecer sempre o real lugar que ocupamos na vida dos outros.
Dark kiss.

domingo jan. 14, 11:10:00 da tarde 2007  
Blogger o alquimista said...

Passei para te deixar um carinho...

segunda jan. 15, 11:42:00 da tarde 2007  
Blogger Nandita said...

loool belo texto, absolutamente real e palpável... gosto da verónica (mas não era moralmente mais correcto ficar do lado da isabel? que diabo, estou a ficar uma imoral loool)
beijo

sexta jan. 19, 03:40:00 da tarde 2007  
Blogger Helder Robalo said...

Fabuloso. Gostei de ler!

quarta jan. 31, 01:16:00 da tarde 2007  

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