Eternamente só
Antony And The Johnsons - Hope Theres Someone
Está tudo espalhado pelo chão.
A minha roupa, os vidros partidos, porque eu os parti e tudo o resto daquilo que nos pertenceu.
Assola-me à memória o calor dos teus abraços e sinto um arrepio na pele que me faz sentir-te perto. E faço de conta que não foste embora, que somos eternos como esta tatuagem que tatuei a preto no peito, no sítio do coração. E faço de conta que o amor faz hoje parte de nós como fez ontem e que o amanhã trará um sol que nos iluminará no caminho para o trabalho e que a lua será protectora da nossa chegada a casa.
Estes lençóis, em que agora me deito, cheiram a vários amores. Amores de hoje, nunca de amanha, não cheiram a ti amor, cheiram ao sal do suor e cheiram ao sal de cada lágrima que choro por ti.
Imagino que te beijo – acordo agarrado à almofada; “cabrão de merda!” é o que me chama o espelho – respeito-lhe a honestidade, mas só me apetece parti-lo em mil pedaços.
Peço-te desculpa, uma e outra vez e volto a pedir quantas vezes sejam precisas, quantas vezes estejas disposta a ouvir até me desculpares:
Desculpa, meu amor, por não te ter amado como só tu mereces, desculpa não me ter feito amar como só tu podias amar.
Quero que este dia aqueça, porque o sinto frio. Tenho a certeza que sou eu quem não aquece, porque me estou a deixar ir. E este choro aflitivo que dói, que dói muito, mais do que posso aguentar, diz-me que é hora de te deixar ir, porque já tiveste muito nesta vida maldita que só te magoou.
Sei agora que a dor que sinto foi a dor que causei. Sou hoje a mágoa que te infligi como seta que perfura a carne em direcção à alma.
Mas não chega… e arranco o músculo, a carne que se cola aos ossos e no lugar do coração tenho uma pedra negra que pulsa arrefecida quando a atinjo, e ao arrancá-la não morro, fico numa agonia eterna, tal como a de Prometeu, que me consome e dilacera, mas que me mantém vivo e me mantém morto ao mesmo tempo.
E tudo por ti, meu amor, tudo por aquilo que és, principalmente pelo que foste quando o meu coração nunca te quis, quando não me imaginava contigo na velhice.
É uma tolice isto que digo, será o princípio do fim?
Peço-te, rogo-te que me esqueças da tua mente, porque já me apagaste do coração – não quero morrer sabendo que guardas as sombras da tua vida – rogo-te ainda que ores para que eu me vá de vez, não consigo faze-lo sem ajuda.
Ai Deus! Mas que dor esta de querer e não conseguir, de desejar e não obter:
Quero morrer! Quero morrer! Quero morrer!...
…os anjos não me vêm buscar, riem-se da minha morte tardia e longa e abandonam-me à sorte do tempo dos Homens que me parece mais eterno do que nunca e sofro por ter sido um homem de paixões e desejos fáceis, por ter sido um homem que julgava ter nas mãos a felicidade e que por isso a usava à vontade de cada dia.
Morro enfim, sozinho, frio, neste quarto que me serve de abrigo para o fim. Passados dez anos de te ter tido e de ter julgado amar-te como merecias, morro sem ti, sem mim, sem ninguém afinal.
O que fui? Quem sou?
Homem de amores sem amor.
17 Comments:
gostei muito.
obrigada Paulo. :)
Ao ler este texto que reflecte tudo o que realmente se passa num momento de separação de quem se ama,o que posso eu dizer? que é um reflectir,um constatar,um sentir ,enfim .....o sofrimento real dos amores que não chegam até ao fim !Muito bom!
bravo post.
belo.
Mas não queiras morrer...!
ESMAGADOR!...MAS TU ÉS MUITO PARA ALÉM DISSO...és imensa...no vago que resta do teu sentir que sei imenso...procura-te...
Doce beijo
O amor, não consigo falar sobre o amor, ainda não consegui entender para que serve, nem de que é feito...
Lindo....
"Sou hoje a mágoa que te infligi como seta que perfura a carne em direcção à alma."
Adorei!
Escuta: partir sempre foi fixe, e faz-se exercício sem gastar um chavo no ginásio...
depois, antes só que, etc...
Antony And The Johnsons também enchem muitos dos meus espaços vazios.
Dark kiss.
EPITÁFIO
Olha friamente a vida e a morte.
Cavaleiro, passa.
Yeats.
Dark kiss.
Tá «aqui» um papo! ;)
"aqui"? humm... :)
A coisa que mais detesto na vida é ter razão...
O texto é um grande "Foda-se!" e nem é no fim, é do principio ao fim... Impressionante!!!!
:)
é...raramente tens dúvidas...
Ah pois é... inevitavelmente, reparto-me nas muitas esquinas das tuas palavras.
Escreves divinalmente!
Parabéns.
Que se f... os designios da morte, nós estamos todos mortos, só ainda não nos apercebemos disso mesmo e tu não deves em circunstância alguma prestar atenção ao que eu escrevo (vai por mim).
É assim a vida, por vezes traz-nos a dolência e a mágoa, outras deixa-nos a dúvida, mas há sempre o desejo, que o dia seguinte nos faça sentir, que o anterior não passou de um pesadelo, embora haja para quem isso nunca aconteça, e essa nefasta dor que sentem nunca desaparece…
Por isso com estas linhas, onde marco o compasso da minha audácia, de deambular sobre o teu corpo, e em cada contacto dos dedos surge o encantamento, do bafo quente da paixão, que me faz percorrer em ti os meus anseios, desse olhar além do tempo…
Roger
São-me agradáveis os sentimentos de tua escrita, belos.
Beijos.
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