Perdi-me por ruelas escuras e frias, húmidas de lágrimas que Homens choravam deitados na calçada da rua, envoltos em cartão, embrulhados em folhas de jornal amachucado por dentro dos farrapos, que faziam de roupa.
Despi-me de preconceitos, medos e vergonhas. Deitei-me ao lado deles, dei tragos na bebida que traziam guardada em sacos de papel, idênticos àquele em que eu costumo trazer o pão.
O bafo quente, da bebida que ardia ao longo do esófago e que caía no estômago, fazendo-me tossir, era um vapor denso contra o frio da rua, mas que ao mesmo tempo, me aquecia o peito e me entorpecia a alma.
Outras pessoas passavam.
Pessoas, como era eu horas antes, que não olhavam para os pobres desgraçados, ou desgraçados pobres, que se estendiam ao longo da rua. Se algum olhar havia, era de soslaio, um misto de despeito e pena, vergonha e revolta, nojo e insegurança.
Senti-me mal. Senti-me pedra da calçada, torta, gasta pelo tempo, pisada e repisada.
O tempo tornou-se eterno e duro.
Gelei o corpo, gelei a mente, as palavras ficaram entorpecidas pelo alcool que me deram a beber, eram monossílabos de lamentos ou de discursos sem sentido, mas que, aqueles que me rodeavam, ouviam ou fingiam ouvir, movimentando lentamente a cabeça, num gesto de concordância, para cima e para baixo, confirmando o que eu dizia.
Levantei-me, despi-me do ar de vagabundo, curei a tontura e ao fim de algumas horas, tornei-me eu, a que tinha comprado pão nessa manhã, na padaria em frente ao apartamento de duas assoalhadas, com vista para o mar.
Eu queria conhecer a condição humana e essa, eu vi que não tem limites para a desgraça ou para a bondade de quem a quer ver, de quem a procura conhecer.
Hoje comprei dois sacos de pão.
Ainda estavam quentes, quando me encontrei na ruela onde me tinha perdido.
Na calçada da rua, esperavam-me sentados, no cartão e no meio dos jornais, aqueles que me tinham aquecido com tragos quentes de bagaço, na noite fria do dia de ontem.