sábado, março 25, 2006

Hoje, apetece-me dizer...

... a borboleta queimou-se. Fascinou-se demais pelo resplendor da chama.

sábado, março 18, 2006

O homem de ninguém

Às vezes, deixava-se guiar, ficava cego... e um dia, quando decidiu abrir os olhos, viu que não estava lá ninguém para o conduzir.
Foi então que esperou pelo regresso dela. Deixava a porta de casa aberta, nunca seria tarde demais para ela entrar, pensava ele.
A solidão fazia-se sentir, sempre que ele se deitava na cama do quarto deles, a cama larga, grande demais para um só, nunca pequena quando estavam os dois; a cama ganhou novas dimensões, quando ela saiu sem bater a porta, estava cada vez maior, nunca mais acabava.
Ele dava o seu reino por um beijo dela naquelas alturas, nessas e noutras, nunca acabava a dor causada pela ausência... e então ele resignava-se a esperar, o relógio era inimigo a abater, o ponteiro das horas fazia troça dele, não saía do lugar e o dos minutos recusou-se a jogar à apanhada... o tempo não se esgotava, porque não passava.
De braços abertos - estava ele na entrada da casa - à espera de os pôr à sua volta, as mãos estavam despidas de tacto; tacto que só ela tinha merecido, só ela merecia.
Ela, era ouro, era o coração dele, era a alma que completava a sua e agora tinha desaparecido. Ele, caía num abismo, num poço sem fundo, a vida estava em queda livre no Universo, só porque ela deixou de ser o sol que brilhava todas as manhãs.
Não tinha sido para isto que ele tinha decidido amar. Caiu ele em amores, caíu depois em tristeza, profunda de mágoa por não a ter apertado nos braços quando o carro se despistou na autoestrada e ela ficou estendida no chão apenas com um golpe na cara, que nem a desfigurou, e ele ficou o homem de ninguém em lado nenhum...

sexta-feira, março 10, 2006

Na noite fria do dia de ontem.

Perdi-me por ruelas escuras e frias, húmidas de lágrimas que Homens choravam deitados na calçada da rua, envoltos em cartão, embrulhados em folhas de jornal amachucado por dentro dos farrapos, que faziam de roupa.
Despi-me de preconceitos, medos e vergonhas. Deitei-me ao lado deles, dei tragos na bebida que traziam guardada em sacos de papel, idênticos àquele em que eu costumo trazer o pão.
O bafo quente, da bebida que ardia ao longo do esófago e que caía no estômago, fazendo-me tossir, era um vapor denso contra o frio da rua, mas que ao mesmo tempo, me aquecia o peito e me entorpecia a alma.
Outras pessoas passavam.
Pessoas, como era eu horas antes, que não olhavam para os pobres desgraçados, ou desgraçados pobres, que se estendiam ao longo da rua. Se algum olhar havia, era de soslaio, um misto de despeito e pena, vergonha e revolta, nojo e insegurança.
Senti-me mal. Senti-me pedra da calçada, torta, gasta pelo tempo, pisada e repisada.
O tempo tornou-se eterno e duro.
Gelei o corpo, gelei a mente, as palavras ficaram entorpecidas pelo alcool que me deram a beber, eram monossílabos de lamentos ou de discursos sem sentido, mas que, aqueles que me rodeavam, ouviam ou fingiam ouvir, movimentando lentamente a cabeça, num gesto de concordância, para cima e para baixo, confirmando o que eu dizia.
Levantei-me, despi-me do ar de vagabundo, curei a tontura e ao fim de algumas horas, tornei-me eu, a que tinha comprado pão nessa manhã, na padaria em frente ao apartamento de duas assoalhadas, com vista para o mar.
Eu queria conhecer a condição humana e essa, eu vi que não tem limites para a desgraça ou para a bondade de quem a quer ver, de quem a procura conhecer.
Hoje comprei dois sacos de pão.
Ainda estavam quentes, quando me encontrei na ruela onde me tinha perdido.
Na calçada da rua, esperavam-me sentados, no cartão e no meio dos jornais, aqueles que me tinham aquecido com tragos quentes de bagaço, na noite fria do dia de ontem.